MERITOCRACIA?


Educação no Brasil: nunca deram oportunidades iguais na largada e, agora, querem tirar também na chegada

"Era a primeira empregada doméstica naquela faculdade. Notas altas, mais estudo, mais notas altas. E, agora, Leydianne está formada, quer fazer especialização"
Por Fábio Bernardi,  sócio-diretor de criação da Morya 

Você certamente não conhece a Leydianne. Assim como provavelmente não conhece nenhum servente de obra, convive apenas com a faxineira que limpa sua casa e não tem um parente que vende salgadinhos na portaria do prédio da sua empresa. Essa gente que o novo ministro da educação acha que não foi feita para cursar uma universidade. “A ideia de universidade para todos não existe”, foi o que ele disse. “As universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual”, completou.

Ricardo Vélez Rodríguez, o ministro, também não conhece a Leydianne. Ela é empregada na casa de um amigo meu. Ou melhor: era. Entrou há oito anos para cuidar da casa e saiu formada em odontologia. Quando entrou na faculdade, pouca gente apoiava, a maioria dizia que ela estava se metendo a besta, que ali não era o seu ambiente. Mas sonho é sonho e, quando ele fala, a gente não deve ouvir mais ninguém. E assim ela foi estudando, estudando, estudando. O material chegava na casa do seu patrão porque os correios não iam até onde ela morava. Gravava a matéria no celular e limpava a casa escutando o que tinha gravado (celular não precisa ser de elite para ter). A mesa da sala era a mesa do estudo. O ônibus era estudo. Tudo era estudo. Foi assim que ela deixou até o reitor da faculdade impressionado. Tão impressionado que ele sugeriu uma prova para uma bolsa. E, claro, ela passou. Era a primeira empregada doméstica naquela faculdade. Notas altas, mais estudo, mais notas altas. E, agora, Leydianne está formada, quer fazer especialização em endodontia e pensa em elaborar pesquisa científica na área. Deixou a casa do meu amigo para ser uma grande dentista. Que o país perderia se a gente fosse acreditar que ela não era da elite cultural ou que não poderia cursar uma universidade. Como perdeu, está perdendo e perderá tantos outros talentos se acreditar que o destino está escrito no bairro onde se mora, na classe onde se nasce, na cor da sua pele ou no que pensam os outros.  

E antes que você use a meritocracia para justificar essa história, lembre-se que isso não tem a ver só com os méritos da Leydianne. Tem a ver com a falta de mérito de um Brasil injusto, que nunca deu oportunidades iguais na largada e que, agora, parece querer tirar a oportunidade de ser igual também na chegada. Educação é um direito de todos. Sonhar, também. 

São pessoas como a Leydianne que fazem um país. E ministros como esse aí que desfazem.

Gaúcha ZH - 04/02/2019.


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