Mudanças climáticas desafiam RS a ampliar o armazenamento de água; veja possíveis soluções para o problema
Estiagens se tornaram uma ameaça ainda mais concreta à
agricultura, o que coloca o Estado diante de um desafio para reduzir o impacto
do desequilíbrio nas chuvas
Fazenda Librelotto é apontada pela Embrapa como exemplar por
suas práticas de integração entre lavoura, pecuária e mataGalileu Guerra /
Especial
Mudanças
climáticas que levam o Rio Grande do Sul a apresentar médias de
temperatura em elevação e chuvas cada vez mais concentradas exigem ações para
aumentar a capacidade de armazenamento de água, reduzir riscos de
desabastecimento e proteger um dos pilares da economia gaúcha – a produção
agropecuária.
A busca por fontes de água já é realidade: o governo estadual registra demanda imediata de pelo menos 7.670 novos açudes e 750 poços para atender principalmente pequenos e médios produtores em dificuldades. Outro desafio é ampliar a área irrigada, que hoje corresponde a 233 mil hectares nas chamadas lavouras de sequeiro (excluído o cultivo de arroz), mas poderia ser até quatro vezes maior se houvesse ampla disponibilidade de reservatórios hídricos.
Extensionista rural da gerência técnica estadual da Emater,
Carlos Gabriel Nunes dos Santos avalia que 1,5 mil sistemas novos não são suficientes
para catapultar de forma significativa o atual percentual de 2% de área de soja
irrigada em um universo superior a 6 milhões de hectares, ou de 10% de milho e
feijão (que somam 836 mil hectares de plantio), mas podem servir como exemplo
para que outros produtores sigam o mesmo caminho.
— É uma iniciativa bem-vinda porque ajuda a difundir ainda
mais a tecnologia. Não temos como aumentar drasticamente os percentuais de área
irrigada atuais porque isso envolve investimento pesado, assistência técnica,
mas, se um agricultor vê que o vizinho passou a produzir o dobro de milho
depois da irrigação, fica mais fácil — analisa Santos.
Mesmo pelos valores médios mais baixos de irrigação por
hectare, inferiores a R$ 10 mil, dobrar a atual área atendida por essa
tecnologia no Estado exigiria perto de R$ 2 bilhões. O economista-chefe da
Farsul, Antônio da Luz, afirma que o plano do Piratini ainda será analisado
pela entidade. Em tese, avalia que soluções de menor porte como poços ou
cisternas não resolvem as necessidades dos grandes produtores, que também se
queixam de impasses legais.
— A irrigação é um processo que só não fazemos em larga
escala porque há questões ambientais difíceis até de se compreender — afirma o
economista.
Existe uma antiga polêmica envolvendo produtores e o
Ministério Público Estadual em relação às exigências legais para licenciar
projetos de irrigação. Na visão de parte dos agricultores, há entraves
excessivos para permitir esse tipo de iniciativa.
Procurada por GZH, a promotora Annelise Steigleder, da
Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Porto
Alegre, informou que o órgão atuou “na época do Mais Água, Mais Renda,
mas essa atuação já se encerrou”. Rodriguez Júnior lembra que, a partir de
agora, os licenciamentos para armazenagem e dispersão de água serão feitos por
municípios, Estado ou União conforme a dimensão de cada projeto, e que o
governo trabalha de forma transversal entre as secretarias e está em contato
com o MP. Até este ano, as licenças eram concedidas de forma centralizada pelo
programa anterior – prática encerrada após decisão do Conselho Estadual do Meio
Ambiente (Consema).
GAUCHA ZH 12/11/2021
As melhorias estruturais são necessárias para acompanhar as
alterações no clima. A temperatura média aumentou cerca de 1°C no Estado nas
últimas quatro décadas, conforme um estudo publicado na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS),
e as chuvas estão se concentrando em menos períodos de maior intensidade.
O Instituto Nacional de Meteorologia indica que, entre 1961 e
1990, a maior parte do Estado registrava, em média, entre quatro e oito
períodos anuais superiores a 10 dias sem precipitação. Entre 1981 e 2010, esse
patamar se elevou para seis a nove episódios. Neste ano, a previsão de um
fenômeno La Niña deverá
manter a precipitação abaixo do normal.
— Os prognósticos indicam uma redução mais significativa das
chuvas entre outubro e novembro — observa a pesquisadora em agrometeorologia da
Secretaria Estadual da Agricultura Loana Cardoso.
Diante desse cenário, um levantamento realizado pela pasta
com auxílio da área técnica da Emater mapeou as solicitações de produtores para
fundamentar um novo programa de combate às estiagens e estímulo à irrigação.
Além de poços e açudes, o projeto prevê a ampliação de uma estratégia
disseminada no semiárido brasileiro, onde a convivência com a seca é crônica: a
implantação de cisternas (reservatórios para armazenar água da chuva).
— O Rio Grande do Sul não é feito só de açudes. Há áreas onde
não conseguimos escavar por haver muitas pedras. Estamos trazendo do Nordeste a
ideia das cisternas, que contemplariam de 30 mil a 50 mil litros. Conforme a
Emater e departamentos técnicos da Secretaria da Agricultura, faltariam hoje
1,5 mil cisternas — afirma o secretário adjunto da Agricultura, Luiz Fernando
Rodriguez Júnior.
No semiárido, cerca de 1,3 milhão de cisternas já armazenam
mais de 19 bilhões de litros de água para consumo humano e de animais, limpeza
e pequenas produções. Batizada preliminarmente de Irriga Mais, a iniciativa
gaúcha sucede o recém-extinto programa Mais Água, Mais Renda – que praticamente
dobrou a área irrigada no Estado ao longo de quase uma década. Pelo plano em
fase final de elaboração, o Estado também apoiaria até 1,5 mil novos projetos
de irrigação com uma subvenção de R$ 15 mil e assistência técnica. O restante
seria financiado pelos próprios produtores conforme a necessidade de cada
um.
O secretário adjunto afirma que o Piratini está analisando a capacidade
do Tesouro para definir o quanto da demanda mais urgente poderá ser atendida de
imediato. Rodrigues Júnior diz que os custos estimados precisam ser atualizados
em razão de aumentos recentes em insumos como combustíveis.
Mas, pelos números disponíveis até o momento, as solicitações já existentes de
novos poços, açudes e cisternas e a subvenção dos sistemas de irrigação
representariam pelo menos R$ 215,2 milhões em investimentos. Para comparação,
somente no ano passado a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul)
estimou que a seca teve um impacto negativo de R$ 2,2 bilhões no setor
agropecuário do PIB gaúcho.
— Se conseguirmos atender tudo, não resolveremos todos os
problemas, mas faríamos 10 anos de investimentos em um. Isso colocaria o Rio
Grande do Sul em outro patamar de segurança hídrica — acredita o secretário
adjunto.
Novos açudes e poços
Ao longo dos últimos três anos, o governo do Estado
contabilizou a abertura de 1,1 mil novos açudes e 212 poços. Como a Secretaria
da Agricultura conta com apenas quatro máquinas para escavação, a ideia, a
partir de agora, seria licitar os projetos à iniciativa privada para ganhar
mais agilidade e atender diferentes regiões ao mesmo tempo. O impacto do atual
plano sobre a rede existente de irrigação, porém, seria mais modesto.
Extensionista rural da gerência técnica estadual da Emater,
Carlos Gabriel Nunes dos Santos avalia que 1,5 mil sistemas novos não são suficientes
para catapultar de forma significativa o atual percentual de 2% de área de soja
irrigada em um universo superior a 6 milhões de hectares, ou de 10% de milho e
feijão (que somam 836 mil hectares de plantio), mas podem servir como exemplo
para que outros produtores sigam o mesmo caminho.
— É uma iniciativa bem-vinda porque ajuda a difundir ainda
mais a tecnologia. Não temos como aumentar drasticamente os percentuais de área
irrigada atuais porque isso envolve investimento pesado, assistência técnica,
mas, se um agricultor vê que o vizinho passou a produzir o dobro de milho
depois da irrigação, fica mais fácil — analisa Santos.
Mesmo pelos valores médios mais baixos de irrigação por
hectare, inferiores a R$ 10 mil, dobrar a atual área atendida por essa
tecnologia no Estado exigiria perto de R$ 2 bilhões. O economista-chefe da
Farsul, Antônio da Luz, afirma que o plano do Piratini ainda será analisado
pela entidade. Em tese, avalia que soluções de menor porte como poços ou
cisternas não resolvem as necessidades dos grandes produtores, que também se
queixam de impasses legais.
— A irrigação é um processo que só não fazemos em larga
escala porque há questões ambientais difíceis até de se compreender — afirma o
economista.
Existe uma antiga polêmica envolvendo produtores e o
Ministério Público Estadual em relação às exigências legais para licenciar
projetos de irrigação. Na visão de parte dos agricultores, há entraves
excessivos para permitir esse tipo de iniciativa.
Procurada por GZH, a promotora Annelise Steigleder, da
Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Porto
Alegre, informou que o órgão atuou “na época do Mais Água, Mais Renda,
mas essa atuação já se encerrou”. Rodriguez Júnior lembra que, a partir de
agora, os licenciamentos para armazenagem e dispersão de água serão feitos por
municípios, Estado ou União conforme a dimensão de cada projeto, e que o
governo trabalha de forma transversal entre as secretarias e está em contato
com o MP. Até este ano, as licenças eram concedidas de forma centralizada pelo
programa anterior – prática encerrada após decisão do Conselho Estadual do Meio
Ambiente (Consema).
GAUCHA ZH 12/11/2021
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