Após reportagens sobre acúmulo de materiais e computadores em depósitos, secretária da Educação de Porto Alegre deixa o cargo

 

Vice-prefeito assume a pasta interinamente até que um novo titular seja escolhido

Após série de reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) sobre materiais comprados com dinheiro público e acumulados em escolas e depósitos municipais, a prefeitura de Porto Alegre anunciou na noite deste domingo (18) a saída da secretária municipal de Educação, Sônia da Rosa. Ela estava no cargo desde março de 2022.

Conforme nota oficial, Sônia pediu exoneração em uma carta na qual "exaltou os objetivos do projeto pedagógico e dos programas estruturantes desenvolvidos para qualificar a educação na rede municipal de ensino e solicitou afastamento do cargo para a apuração transparente da destinação dos materiais e equipamentos tecnológicos adquiridos".

Desde o começo das publicações sobre os materiais didáticos e equipamentos estocados sem uso, o prefeito Sebastião Melo havia determinado uma auditoria especial na Secretaria Municipal de Educação (Smed) e também criado o Comitê Gestor Operacional da Educação para verificar problemas na distribuição e uso dos materiais comprados em 2022 e buscar soluções imediatas. Foi como se a pasta estivesse sob intervenção.


Na carta enviada ao prefeito, Sônia defende as compras realizadas pela secretaria durante sua gestão. "Reitero que todo o investimento (materiais e equipamentos) foi executado com responsabilidade, considerando o número de alunos da rede municipal. Não houve desperdício de dinheiro público. Reafirmo, ainda, que todos os materiais pedagógicos adquiridos com os temas (projeto de vida/empreendedorismo, educação financeira/consumo e sustentabilidade) são necessários para o desenvolvimento de competências que possibilitam aos nossos alunos a oportunidade de compreender e atuar nesta Capital que 'respira' inovação e transformação", diz um trecho (leia íntegra abaixo).

Em informação divulgada pela prefeitura na noite do domingo, Melo afirmou respeitar a decisão da secretária e agradeceu o empenho no desafio de reconstituir o processo de educação na rede pública após a pandemia.

— Inovar no ensino público é um desafio gigantesco, que passa por quebra de paradigmas. Mas nós temos a convicção de que o aluno da periferia deve ter a mesma oportunidade que estudantes da rede particular, com acesso a tecnologia para uma educação verdadeiramente libertadora e um futuro promissor. E essa transformação pedagógica que começou em Porto Alegre deve-se muito à dedicação da Sonia, que trouxe três décadas de experiência para repensarmos os processos de aprendizagem e melhorar resultados que historicamente não correspondem ao que nossas crianças e jovens merecem — declarou o prefeito.

A secretaria ficará sob o comando interino do vice-prefeito Ricardo Gomes, até que o novo titular seja escolhido. A queda de Sônia ocorre 12 dias depois do começo da publicação das reportagens do GDI e poucas horas antes de Melo apresentar um levantamento preliminar da auditoria, prometido para esta segunda-feira (19).


Depois de visitar oito escolas municipais, o GDI mostrou que livros, kits pedagógicos e chromebooks comprados ano passado seguiam guardados em caixas, sem uso. Servidores alegaram que o uso dos livros não foi planejado e que havia dificuldade para adequá-los à realidade das escolas. Também faltaria treinamento para uso de kits e reforma em redes elétricas para o pleno funcionamento dos chromebooks. Em alguns casos, os mini-computadores não podiam ser usados por falta de estação de carregamento.

Em depósitos da Smed, o GDI localizou mais de uma centena destas estações de carregamento ainda dentro de caixas. Também havia mais de 130 mil livros, cerca de 3 mil chromebooks e 2,2 mil computadores. Em entrevista a Rádio Gaúcha no dia 8, o prefeito admitiu falhas na distribuição do material. 

O que diz a carta de Sônia da Rosa

"Caros prefeito Sebastião Melo e vice-prefeito Ricardo Gomes,

Porto Alegre vem se destacando em desenvolvimento, inovação e tecnologia. Representa, hoje, uma das capitais com maior performance para se viver e transformar. Para isso, dois pilares são muito importantes: inovação e capital humano. Foi exatamente nesses pilares que pautamos o projeto educacional desenvolvido para a rede municipal de ensino na capital de todos os gaúchos. 

Estruturamos na Secretaria Municipal de Educação (Smed) quatro 4 grandes programas educacionais: Alfabetiza + POA (alfabetização na idade certa), Recompoa (recomposição das aprendizagens pós pandemia), Correção de Fluxo (estudantes com distorção idade-ano) e Programa Competências do Século XXI (Inovação, Tecnologia e Competências da parte diversificada da Base Nacional Comum Curricular). Impossível desenvolver uma cidade se não for clara a proposta educacional desde o início da trajetória escolar. A estrutura desses programas tem o objetivo de dar oportunidade a todos, a fim de que nossas crianças e jovens possam acessar todas as possibilidades e que a tão sonhada equidade realmente aconteça.

Hoje, a rede já possui avanços reais nas avaliações pedagógicas, resultado dos programas estabelecidos, da forma como os gestores escolares vêm se dedicando sobre os indicadores educacionais e das práticas diárias dos professores em sala de aula. Essa foi minha principal missão como secretária municipal da Educação de Porto Alegre. Dediquei meus 32 anos de magistério público sempre pensando no desenvolvimento humano de cada estudante, independentemente do nível socioeconômico, entendendo que todos possuem a capacidade de aprender se houver oportunidade e equidade.

Reitero que todo o investimento (materiais e equipamentos) foi executado com responsabilidade, considerando o número de alunos da rede municipal. Não houve desperdício de dinheiro público. Reafirmo, ainda, que todos os materiais pedagógicos adquiridos com os temas (projeto de vida/empreendedorismo, educação financeira/consumo e sustentabilidade) são necessários para o desenvolvimento de competências que possibilitam aos nossos alunos a oportunidade de compreender e atuar nesta Capital que "respira" inovação e transformação. 

Essa foi minha contribuição. Estou convicta e acredito muito neste projeto que vai muito além dos muros da escola. Deste modo, senhores prefeito e vice-prefeito, solicito afastamento desta pasta para que a apuração possa acontecer com serenidade e transparência. Toda a transformação passa por dúvidas, críticas e desconfortos. Não é fácil mudar o que está estabelecido como verdade. Entretanto, se os projetos de cidade e de educação não estiverem alinhados, poucas serão as chances de um futuro melhor. 

Às famílias, meu sincero agradecimento, pois representam todo o apoio, junto à escola, para a formação integral dos estudantes. Da mesma forma, meu reconhecimento à equipe da Smed e aos professores e demais servidores da rede, com tive a oportunidade de estabelecer uma relação de diálogo e que têm minha admiração pela dedicação permanente aos nossos alunos."

Os depósitos da Smed

Navegantes

  • Estão estocadas centenas de itens esportivos de uma compra de R$ 808 mil, além de mais de uma centena de aparelhos de carga de chromebooks.
  • Dezessete geladeiras novas e um freezer estão no local, além de 1.480 camas infantis.
  • A prefeitura diz que está trabalhando para identificar problemas de distribuição. O fluxo de processos está sendo resolvido.

Jardim Botânico

  • Três mil chromebooks estão em desuso no local. Considerando o custo unitário de R$ 1.984, o estoque vale R$ 5,9 milhões.
  • Cerca de 2,2 mil computadores de valor unitário desconhecido também estão guardados, além de cerca de 100 mil livros da coleção Sustentabilidade e Meio Ambiente;
  • A prefeitura diz que pretende manter o aluguel deste imóvel. O entendimento é de que ele é bem localizado e tem boa condição de infraestrutura.

Lomba do Pinheiro

  • Um ônibus escolar com elevador de acessibilidade, comprado com verbas federais, estava abandonado no local. Também há estoque de lâmpadas antigas.
  • A Smed informou que irá doar o ônibus para a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc).

Santana

  • Cerca de 850 chromebooks estavam estocados sob excrementos de pombos. O valor dos equipamentos é de R$ 1,6 milhão.
  • Também havia no local cerca de 30 mil livros da Inca. Essa empresa recebeu mais de R$ 27 milhões da Smed em 2022.
  • O prefeito Sebastião Melo disse que esse depósito será esvaziado, fechado e reformado.





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