EXCLUDENTE DE ILICITUDE



Caso Ágatha reabre debate sobre projeto que abranda penas para policiais 

Menina de oito anos foi morta dentro de uma Kombi no Complexo do Alemão, e testemunhas afirmam que o tiro de fuzil partiu da Polícia


Os indícios de participação policial na morte de uma menina de oito anos de idade baleada nas costas no Rio de Janeiro voltaram a jogar luzes sobre eventual ampliação ou abrandamento da excludente de ilicitude. Alterações a esse ponto, já presente no código penal brasileiro, estão dentro do chamado pacote anticrime, apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, ao Congresso em fevereiro. 

O texto prevê que o juiz poderá reduzir a pena em 50% ou não aplicá-la se o excesso na resposta contra um crime decorrer de "medo, surpresa ou violenta emoção". Entusiastas da medida afirmam que o texto cria base legal para entendimento que já é seguido no Judiciário. Críticos ponderam que a ação abre brechas para excessos no embate, que podem respingar em inocentes, alheios ao confronto. Presente no artigo 23 do Código Penal, o excludente de ilicitude afasta a culpabilidade de condutas ilegais em algumas circunstâncias.


Coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente da Silva Filho afirma que Moro apenas tenta colocar dentro da lei algo que já é utilizado por juízes no país, mas alerta para o perigo da medida aumentar a letalidade policial em um contexto onde os agentes sofrem com despreparo na atuação:

— Um perigo que a gente tem, que a gente sofre, é quanto a sociedade vai pagar se isso for colocado dessa maneira na nossa legislação, porque o que nós vemos é que o excesso da letalidade policial vem crescendo muito no Brasil. Está crescendo em um volume muito intenso. Isso com as restrições legais que tem hoje. Se for aliviada, vai diminuir ou aumentar? Garanto, com certeza, que vai aumentar.

O ex-secretário nacional de Segurança Pública avalia que o Brasil não está preparado para eventual ampliação da exclusão de ilicitude. Silva Filho afirma que o afrouxamento do controle da atividade policial abre espaço para a maior incidência de excessos em um cenário onde a maioria das forças de segurança carecem de treinamento e cartilha de procedimentos padrão, que visam diminuir danos em ações:

— Com todo esse pacote de falhas, você relativizar esses falhas, dando um salvo conduto para quem atirou indevidamente é de alguma forma estar protegendo todo um conjunto de erros, que começa com uma política de segurança equivocada, de confronto a qualquer custo, onde não se leva em consideração os efeitos colaterais contra inocentes, como ocorreu com a menina no Rio de Janeiro.

Ex-secretário estadual da Segurança Pública no Rio Grande do Sul, Cezar Schirmer classifica as discussões no entorno da excludente de ilicitude como um aspecto secundário no enfrentamento à insegurança pública. Schirmer destaca o investimento em prevenção, tecnologia e na aquisição de equipamentos como pautas prioritárias da área. Em relação aos possíveis efeitos colaterais que a mudança proposta por Moro podem gerar, o político afirma que essas fatalidades são inevitáveis.

— Isso é inevitável no combate. No enfrentamento armado entre a polícia e o crime, às vezes, infelizmente, acontece isso. Seja uma bala do crime, seja uma bala da polícia — lamenta.

Ponto polêmico


Major da reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro e mestre em Direito Luiz Alexandre Costa não consegue traçar uma ligação entre a proposta de Moro e a possibilidade de elevação no número de inocentes baleado em ações policiais.

— Não consigo ver tão diretamente uma relação entre essas mortes e uma possibilidade de os policiais não serem responsabilizados. Acho que o grande ponto desse pacote do ministro Sergio Moro seria um ponto do artigo 25, que é a possibilidade da existência de abate de criminosos.

O tópico destacado pelo major, inciso I do artigo 25 do texto de Moro, cita que o "agente policial ou de segurança pública que, em conflito armado ou em risco iminente de conflito armado, previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de outrem" pode configurar legítima defesa. Segundo Costa, esse inciso pode abrir espaço para abate de criminosos portando fuzil, por exemplo, ato defendido pelo governador do Rio, Wilson Witzel.

— Esse é um ponto que eu acho que deveria ter muita discussão. Não deveria entrar em vigor sem um amplo debate, inclusive social, com vários grupos que estudam violência e segurança pública, porque isso pode ser uma coisa muito boa ou uma coisa muito ruim — alertou.
O pesquisador avalia que a mudança no artigo 23, que trata do excesso que decorre de "escusável medo, surpresa ou violenta emoção", protege principalmente cidadãos comuns. Costa entende que esse artigo precisa ser melhor destrinchado, pois o judiciário pode entender que policiais sempre estão expostos ao medo e emoção durante o embate contra criminosos e devem ser preparados para enfrentar essas adversidades. Por outro lado, alguns magistrados podem ter pensamento diferente:

— O outro vié/s seria ele estar sempre protegido por determinado juiz menos garantista, propenso a inocentar ações muito piores do que deveriam ser.

O relator do pacote anticrime na Câmara, deputado Capitão Augusto (PL-SP), afirmou nesta segunda-feira (23) que os policiais devem ser retirados desse artigo:

 — Policial não tem medo nem surpresa nem violenta emoção. Essa regra se aplica a civis. O policial é treinado para lidar com essas situações — afirmou.

Advogada e membro do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Isabel Figueiredo entende que a legislação atual atende aos casos nos quais o policial provoca algum tipo de morte:

— Se a lógica dele era dar cumprimento a esse desejo eleitoral desse presidente para legitimar todo e qualquer tipo de morte, está ali. Se queremos polícia que haja pela legalidade, pelo uso da força, não é necessário. Na atividade policial, o resultado letal é possível. Mas isso está coberto pelo Código Penal, sem precisar alteração. Não tem como interpretar essa mudança senão como licença para matar. 

A ONG Fogo Cruzado registra que 16 crianças foram baleadas na região metropolitana do Rio de Janeiro em 2019. Destas, cinco morreram.

*Colaborou Letícia Mendes

GAUCHAZH 24/09/2019

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