INVASÃO NA PRAIA
Mais de 28 mil veranistas já sofreram ferimentos de água-viva no litoral gaúcho neste verão
Levantamento divulgado pela Operação Verão, do Corpo de Bombeiros, contabiliza dados de 15 de dezembro de 2018 a 1º de janeiro deste ano
Já virou tradição: a cada começo de veraneio, relata-se o
aparecimento de águas-vivas em todo o Litoral Norte e os casos de envenenamento
em decorrência do contato com esses animais. Só nesta temporada, os registros
de banhistas feridos ultrapassam os 28,5 mil, de acordo com levantamento
divulgado pela Operação Verão, do Corpo de Bombeiros, que contabiliza dados de
15 de dezembro de 2018 até o dia 1º.
As águas-vivas são invertebrados gelatinosos que vivem de
acordo com as correntes marítimas. A sua principal característica é possuir
células urticantes, utilizadas na sua alimentação e defesa.
Para o professor do Instituto de Oceanografia da
Universidade Federal do Rio Grande (Furg) Renato Nagata, pesquisador do tema,
esse aumento no número de acidentes é perceptível nos últimos cinco anos. Ele
cita um estudo de 2009, no Litoral Sul catarinense, que reportou centenas de
casos – recentemente, a região vem registrando mais de 20 mil casos por
temporada.
As explicações para o fenômeno ainda são alvo de estudos,
mas Nagata acredita que uma combinação de fatores físicos e biológicos pode
responder à pergunta. Primeiro, é uma questão da natureza. Conforme o
professor, o sul catarinense e o norte gaúcho são ambientes férteis, onde se
encontram mais organismos marinhos, o que favorece a densidade das águas-vivas.
Outro fator que pode colaborar para o aumento das ocorrências dos animais é a
convergência de correntes marítimas.
A professora de zoologia de invertebrados Carla Ozório, do
Departamento Interdisciplinar do Campus Litoral Norte da UFRGS – Ceclimar,
destaca outras condições para o volume de casos registrado:
— Se trata de uma combinação de um maior número desses
organismos no mar, característicos de águas quentes que ocorrem no verão,
associado a um grande número de banhistas no Litoral em função do feriado
prolongado e do tempo bom.
Águas-vivas são invertebrados gelatinosos que vivem de
acordo com as correntes marítimas. Sua principal característica é possuir
células urticantes
Com a praia lotada, a quantidade de acidentes cresceu: só no
último domingo, foram 5,5 mil casos. E as maiores vítimas são as crianças,
especialmente aquelas de dois a 12 anos, afirma a guarda-vidas de Tramandaí
Lahís Trois Schultz:
— Elas são maioria. Mas os adultos também se machucam.
Atentos aos registros na orla, os guarda-vidas sinalizam com
uma bandeira roxa a presença demasiada de animais na água.
Surpresa desagradável
Évellyn Abreu, nove anos, foi surpreendida por uma água-viva
no seu dia de praia. Com a família, veio de São Leopoldo aproveitar a
quarta-feira em Tramandaí.
Instalados próximo à plataforma, os parentes tiveram a manhã
interrompida pelo incidente.
— Por sorte, foi por cima do maiô — agradecia a mãe, Ediane
Borba.
Évellyn Abreu, nove anos, foi surpreendida por uma
água-viva, por cima do maiô. a família conseguiu um vinagre em uma das casinhas
dos guarda-vidas
Na companhia da mãe e dos tios, eles correram para uma
guarita de guarda-vidas para pedir orientações. Ouviram que precisariam
encontrar vinagre, pois eles não tinham o item ali – os guarda-vidas recebem
doações dos veranistas; quando aumenta o número de casos, falta o produto. A
família caminhou até a próxima casinha, de onde receberam, por meio de uma
corda de varal, um recipiente de spray com o vinagre. Contorcendo-se, a menina
retornou à plataforma e teve que esperar o líquido amenizar a dor.
Vinagre virou item de kit praia
Nem só de filtro solar e óculos escuros se faz um verão.
Agora, levar vinagre é fundamental para aproveitar um dia de sol na praia sem
maiores percalços. A medida já é uma recomendação do tenente-coronel Jeferson
Ecco, comandante da Operação Verão:
— Orientamos que o pessoal leve vinagre de casa e já se
trate ali mesmo. A ideia é que ele esteja presente no kit de praia.
Em caso de acidente, o procedimento a ser adotado é utilizar
compressas de água do mar gelada – sob hipótese alguma deve-se colocar água
doce – e compressas de vinagre para amenizar a dor.
— Não há tratamento, há medidas paliativas para tirar a dor.
A água do mar gelada age como anestésico e o vinagre faz com que as células
presas ali não disparem. Se colocar água doce, aumenta o envenenamento — ensina
o médico da Sociedade Brasileira de Dermatologia Vidal Haddad, professor
adjunto da Faculdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista
(Unesp).
Raríssimos casos, como alergias, podem necessitar uma visita
a um pronto-socorro.
Por que não é queimadura?
O termo queimadura é utilizado de forma equivocada em razão
da sensação que esse machucado provoca. Na realidade, os acidentes com
águas-vivas são tratados como envenenamento.
— Mas, como arde, as pessoas lembram da queimadura — explica
o médico Vidal Haddad.
GAUCHA ZH 02/01/2019
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