Servidores que usaram dados de colegas mortos para desviar valores da Fazenda têm salários entre R$ 9 mil e R$ 12 mil
Esquema, que foi alvo de operação da Polícia Civil nesta
sexta-feira, desviou R$ 2 milhões dos cofres públicos
Os servidores
públicos que usaram dados de colegas mortos para desviar pagamentos da
Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz) são técnicos tributários
com salários entre R$ 9 mil e R$ 12 mil. O subsecretário do Tesouro do Estado,
Bruno Jatene, afirma que a fraude, que desviou R$ 2 milhões, era
"inteligente e sofisticada".
Na manhã desta sexta-feira (3), a Polícia Civil desencadeou a
Operação Arca do Tesouro para fazer buscas nas casas de suspeitos e em uma
empresa. Os servidores investigados,
de posse de informações privilegiadas sobre colegas falecidos, organizaram
esquema para sacar os valores de licenças-prêmio e férias não gozadas (veja
os detalhes abaixo).
Para o subsecretário, a sofisticação está no fato de que eles
escolheram casos em que o direito das famílias em requerer os valores já havia
prescrito. Ou seja: os familiares dos servidores mortos não podiam mais
requerer os valores, mas o grupo
criminoso, fraudando documentação, conseguia burlar a regra temporal e
pegar os pagamentos.
— A fraude era de ponta a ponta, faziam todo processo manual.
Por enquanto, o indicativo apurado na sindicância é de que esses processos só
passavam pelas mãos dos envolvidos indicados, mas não sabemos se a polícia
avançou na identificação de mais servidores — explicou Jatene.
Conforme o subsecretário, a fraude foi detectada durante
processo de modernização das rotinas manuais do Tesouro. Chamaram a atenção
pagamentos feitos com base em lançamentos manuais que deveriam estar extintos.
Naquele momento, em meados de fevereiro, foi aberta
sindicância e os suspeitos foram afastados do trabalho. Com a conclusão da
investigação e abertura de processo administrativo disciplinar (PAD) pela
Procuradoria-Geral do Estado, eles puderam voltar ao trabalho, mas foram
removidos de setor e ficaram sem acesso aos antigos sistemas. Um terceirizado
envolvido foi demitido.
Jatene destacou que a Sefaz já está adotando providências
para reaver valores desviados. Quanto a indenizações às famílias lesadas,
explicou que, até o momento, dos cerca de 60 casos, só identificaram duas com
direito a receber — nas demais situações, o Direito estaria prescrito.
Esquema é alvo de operação
Com acesso privilegiado a informações de colegas
mortos, servidores
públicos articularam um esquema para sacar, nos últimos três anos,
valores de licenças-prêmio não reclamados pelas famílias dos falecidos.
Em conluio com terceiros, esses funcionários inseriram dados
falsos em sistemas de informação do Tesouro
Estadual, falsificaram nomes de juízes e de escrivães judiciais, se
apropriavam de dados de advogados e, com isso, desviavam os valores pagos a
partir de procedimentos totalmente forjados.
Segundo a investigação, o esquema tinha fases e não poderia
ser executado sem a participação de servidores. Estes funcionários monitoraram
casos de colegas mortos cujos valores a que tinham direito por licenças não
gozadas não foram cobrados pela família — nestas situações, o dinheiro ficava
num fundo do Tesouro.
O grupo então abria procedimentos administrativos específicos
para que os pagamentos fossem feitos. Usavam nos expedientes procurações em
nome de familiares dos falecidos (neste ponto, o nome era verdadeiro) dando
poderes a determinado advogado, que representava então a família no
"inventário" e podia sacar o dinheiro.
O detalhe é que o familiar — cujo nome verdadeiro era
pesquisado em sistemas de informação pelos servidores públicos envolvidos — daquele
falecido nem fazia ideia de que tinha direito ao pagamento. A pessoa que
constava como advogado (e não era) usava o nome verdadeiro, mas número de
inscrição na OAB pertencente a outra pessoa — um advogado devidamente inscrito
na ordem. E o alvará que mandava a Fazenda fazer o pagamento era assinado por
um juiz também com nome forjado.
Nesta sexta-feira, foram realizadas buscas nas casas
dos suspeitos e cumpridas ordens judiciais de indisponibilidade de bens e de
contas bancárias. Os crimes investigados são de peculato, inserção de dados
falsos em sistema de informação e associação
criminosa.
A polícia não dá detalhes da investigação para não atrapalhar
diligências futuras.
O que diz a Secretaria da Fazenda
A pasta se manifestou por meio de nota. Confira na íntegra:
"Desde o início dessa gestão, o Tesouro vem implantando
um plano de modernização de processos de trabalho a fim de automatizar diversas
rotinas manuais, com o intuito de mitigar riscos e prevenir falhas nos
procedimentos operacionais. Em fevereiro deste ano, houve a automatização do
cálculo e lançamento de indenizações de licenças prêmio em folha de pagamento.
Então, a partir da análise de consistência da folha mensal, foram identificados
lançamentos inconsistentes no pagamento de indenizações de licenças prêmios
para falecidos do Poder Executivo.
A partir da constatação dos problemas identificados por parte
da própria gestão da Divisão responsável, foram excluídos os lançamentos
suspeitos no montante de R$ 126 mil. Ainda durante o mês de fevereiro, a gestão
do Tesouro abriu sindicância interna para aprofundar o caso e se descobriu o
pagamento indevido de cerca de 50 processos que somaram aproximadamente R$ 2
milhões de prejuízo aos cofres públicos. A apuração confirmou que o grupo
fraudava documentos e processos desde 2019, início dos pagamentos indevidos.
Desde então todas as medidas necessárias foram tomadas, como
a abertura de processo administrativo, o imediato afastamento dos agentes
públicos envolvidos, o bloqueio dos pagamentos e o rastreamento das
irregularidades para apurar novos casos. Após a conclusão do relatório de
sindicância, foi dado ciência para a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), assim
como a entrega de documentos comprobatórios para a Polícia Civil (PC) e ao
Ministério Público (MP) para a apuração dos crimes.
O Tesouro do Estado também já abriu processo para o
ressarcimento dos valores pagos. O órgão vem trabalhando em conjunto com a PC e
MP, prestando os devidos esclarecimentos e auxiliando no entendimento das
inconformidades encontradas."
GAUCHA ZH 03/09/21
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