OPINIÃO


A sustentabilidade do SUS e os Cabeças de Planilhas


Os momentos de crise econômica no Brasil e no mundo levam a discussão contínua do financiamento em saúde desses países. Dados da OECD ( Organization for Economic Cooperation and Development), revelam que em 2015, a média de gastos públicos era de 6,6% do PIB entre os países membros, variando entre Turquia 4% a 8,4% nos EUA. Nos países não membro da OCED, os gastos públicos em saúde variam de 1,1% na Indonésia a 4,2% na Africa do Sul. No mesmo ano o gasto público do Brasil com Saúde foi de 3,4% do PIB (OCED 2016, apud Giovanella et al 2018). 

No Brasil, o financiamento tem sido um dos grandes obstáculos para a consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar do nosso sistema de saúde ter sido criado em 1988, apenas no ano de 2000 a Emenda Constitucional 29 foi aprovada, após intensas negociações.  No entanto, apenas em 2012 os valores mínimos a serem aplicados por cada ente federado foram estabelecidos. Aos municípios cabe aplicar ao menos 15% de suas receitas, os estados ao menos 12% e a União (governo federal) o total de gastos do ano anterior, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do PIB do mesmo ano. Essas leis e regulamentações trouxeram alguma estabilidade para o SUS, embora fosse possível observar que para estados e municípios a carga de financiamento fosse proporcionalmente muito maior que a da União.

Para organizar o repasse dos recursos e evitar o uso do orçamento da saúde em outras áreas foi criado um Fundo de Saúde onde estado e União repassam recursos fixos e variáveis ( de acordo com o tamanho e vulnerabilidade do município) para os municípios executarem junto ao seu orçamento pré definido.

Nesse período, muitos avanços foram observados em especial o aumento número de equipes de saúde atuando nos bairros através das Unidades Básicas de Saúde - UBS (Postos de Saúde), o surgimento da Samu, a melhora de muitos indicadores de saúde. Ainda assim, se observa que os recursos para financiamento da saúde eram insuficientes, em especial aqueles destinados pela União. Setores da saúde pressionaram o governo para que 10% do PIB da União fossem investidos em saúde. Algo próximo a países que são referência em saúde no mundo como: Canadá, Inglaterra e Suécia.

Com o agravante da mais recente crise econômica brasileira foi promulgada nova Emenda Constitucional 95 (EC 95), promulgada em 2016. A EC 95 propõe um congelamento transversal dos gastos primários do governo a partir de 2020. Na prática, isso significa dizer que se o PIB brasileiro se mantiver em crescimento baixo ou decrescer (e essas são as projeções para os próximos anos) os gastos públicos em saúde vão diminuir ainda mais. Especialistas do setor já estimam que para 2019 haverá uma perda de R$ 9,5 bilhões. Soma-se a esse cenário a manutenção em níveis altos do desemprego e famílias dependentes exclusivamente do SUS. Podemos supor que as necessidades em saúde irão aumentar e os custos também. A população de pequenos municípios sem ter a quem recorrer deverá exercer pressão em prefeitos e secretários saúde que com o orçamento comprimido pela mesma crise e lei de responsabilidade fiscal não terão alternativas viáveis a oferecer a curto prazo.

Outra modificação importante observada é relativa a forma do repasse dos recursos. Durante os últimos 15 anos os repasses ocorriam através de “caixinhas de financiamento” e os recursos só poderiam ser gastos dentro dessas  “caixinhas de financiamento”: Atenção Básica, Atenção de média e alta complexidade (ambulatórios de especialidades e hospitais), Vigilância em Saúde (ex: combate a Dengue), Assistência Farmacêutica  e Gestão do SUS. Em 2017, o governo federal modificou esse cenário. Foram extintas as  “caixinhas de financiamento” e os recursos passaram a vir em duas dimensões: Custeio - para manutenção de equipes, insumos, deslocamento de pacientes, etc; Capital - Aquisição de equipamentos, veículos, construção de novas unidades, etc.

De modo geral, a mudança na forma de repasse dos recursos trouxe para os gestores municipais maior autonomia. Anteriormente, com as  “caixinhas de financiamento” o gestor não podia investir o recurso da Atenção Básica na Assistência Farmacêutica, por exemplo. Com a modificação, o gestor poderá investir como entender sem a rigidez comum ao setor. No entanto, isso pode ser um tiro no pé do gestor com pouca experiência em saúde. Maior autonomia, significa maior responsabilidade de uso e monitoramento dos resultados. Muitos dos gestores municipais de saúde no Brasil, não possuem formação na área e a maior parte nunca foi capacitada para exercer tamanha responsabilidade. Soma-se a isso os efeitos aqui relatados da EC 95 potencialmente malignos ao financiamento do SUS. É possível prever que em alguns anos o sistema de saúde de alguns pequenos municípios irão colapsar completamente.

E isso pode levar ao final da cobertura universal do SUS que significa tirar o acesso de todos aos profissionais da UBS (médicos, dentistas, enfermeiros, etc), por exemplo, e transformar o SUS num sistema pobre para os pobres. Talvez essa seja a maior ameaça ao SUS desde sua existência, cortes e medidas realizadas por burocratas sem formação em saúde. Cortes econômicos feitos por cabeças de planilhas, sem eleger prioridades para a sociedade.


Referência:
Organization for Economic Cooperation and Development (OCED).  Health Statistcs 2016. Disponível em: www.oced.org/els/helath-systems/health-statiscs.htm apud Maria Helena Mendonça et al, atenção Primária à Saúde no Brasil: conceitos, práticas e pesquisa - Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2018.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rede de supermercado atacadista deve instalar-se em Panambi

Justiça cassou Vereador de Condor

Tiroteio no interior de Condor