SEM ÁRVORE DE NATAL

Texto de Fabrício Carpinejar



Não vou montar árvore de Natal neste ano. O ano não existiu. O ano não aconteceu.
Não estarei com os meus pais velhos, não estarei com os meus filhos adultos, não estarei com os meus irmãos, não estarei com os meus amigos. Qual o propósito de enfeitar a casa se ela não pode ser frequentada, se não podemos nos encontrar?
Só vai me irritar mais a aparência de festa. Só vai me lembrar de tudo o que não é possível, de tudo o que não terei.
É o primeiro Natal no exílio dos parentes, no distanciamento social. É o Natal da saudade transbordando, das chamadas de vídeo, das encomendas enviadas dez dias antes, das caixinhas do Sedex sem embrulho e sem surpresa.
Que Natal estranho, que Natal diferente, que Natal despojado.
Até o grão do arroz se verá sozinho na vasilha, desprovido das passas que odiamos.
Não farei nenhuma decoração como se fosse receber alguém - serei eu e a minha esposa somente. Ninguém vai brigar pelas lascas de chocolate dentro do panetone.
É uma orfandade do coração. Seria mero disfarce - o fingimento é a pior loucura.
Como ainda não existe vacina no Brasil para COVID -19, são inviáveis o deslocamento, a viagem, a aglomeração.
Nem Amigo Oculto dá para fazer.
Não haverá visitas. Não haverá presentes empilhados. Não haverá bolas coloridas. Não haverá estrela no topo dos galhos. Não há sentido em iluminar a casa, a fachada das janelas, com racionamento de energia elétrica no país.
Natal é família, é ceia, é abraço, é carinho, é beijo nas bochechas - o ideal de celebração não será praticado.
Foi um ano de sobrevivência, espartano, contido, de luto de mais de 170 mil brasileiros, e a resiliência depende de mais três meses pela frente. Não terminou ainda. Atravessará o réveillon, onde todos pularemos a segunda onda da epidemia.
Não tirarei a árvore da garagem. Ficará estacionada e embrulhada para 2021. Não me chame de insensível. É uma questão de honestidade, de realismo, de respeito. Não me sinto apto a esnobar com gargalhadas ou a dançar ao redor da mesa vazia como se nada tivesse transcorrido desde fevereiro.
O que não deixarei de realizar é o presépio. Esse, sim, merece devotado espaço. É uma necessidade, não um adereço. Prepararei a manjedoura de palha com Cristo. Que ele nasça de novo com toda a humildade do celeiro.
A gratidão nunca esteve tão ligada ao perdão. Dizer hoje “obrigado” é também pedir desculpa.

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