Quem são os 10 representantes do Rio Grande do Sul nas Paralimpíadas de Tóquio
Competição começa no dia 24 de agosto no Japão
Depois dos Jogos
Olímpicos de Tóquio emocionarem os brasileiros, a partir de
terça-feira (24) quem entra em ação é a turma
paralímpica. Não faltarão recordes, disputas acirradas e, principalmente,
exemplos de superação. A representatividade brasileira será recorde. A
delegação é composta por 260 atletas (incluindo membros sem deficiência, como
guias, calheiros, goleiros e timoneiro), sendo 164 homens e 96 mulheres.
Entre os competidores, 10 são gaúchos ou treinam em clubes do
Rio Grande do Sul. Nesta edição, contaremos a história de três deles, o
multicampeão Ricardinho, 32 anos, craque do futebol de 5 para cegos e
deficientes visuais, Vanderson Chaves, 27 anos, que buscará medalha na esgrima
em cadeira de rodas, e a nadadora Carol Santiago, 35, atleta do Grêmio
Náutico União.
Ricardinho (futebol de 5)
Nenhum gaúcho foi tão vencedor em Jogos Olímpicos ou
Paralímpicos como Ricardo Steinmetz Alves, o Ricardinho, 32 anos. E mesmo dono
de três ouros — Pequim
2008, Londres
2012 e Rio
2016 —, o camisa 10 da seleção brasileira de futebol de 5
(para cegos e deficientes visuais) quer mais. Nos Jogos
de Tóquio, ele busca o tetra.
— O fato de eu ter conseguido três medalhas de ouro, com a
equipe, foi marcante. Muitas pessoas acabariam caindo em um relaxamento, se
acomodando, mas eu já vejo de outra forma, eu penso que é muito difícil ganhar
uma medalha de ouro, duas é mais difícil, três mais ainda e quatro nem se fala.
A minha motivação é sempre superar os feitos que eu mesmo conquistei, é um
sonho (conquistar o tetra paralímpico). O que me mantém motivado é chegar
sempre um pouco mais longe — destaca Ricardinho, direto do Japão, onde se
prepara com a seleção para a estreia nos Jogos de Tóquio, marcada para o dia
28, diante da China, atual campeã asiática.
O gaúcho é um dos principais jogadores da modalidade no
planeta. Eleito três vezes o melhor do mundo e capitão da seleção, Ricardinho é
peça-chave em uma seleção quase imbatível. O Brasil disputou quatro edições de
Paralimpíadas e ficou com o ouro em todas elas, o mesmo ocorreu nos Jogos
Parapan-Americanos. Também é o maior campeão mundial. Dos sete campeonatos já
realizados, ganhou cinco.
— A equipe do Brasil, sem dúvida, é considerada a
favorita, é algo natural, inegável, mas deixamos fora de quadra. Sabemos que
isso não ganha jogo, pode até atrapalhar. A gente sabe que para ganhar tem de
ter rendimento. Conquistas falam muito sobre o que a gente já fez, mas temos
que estar sempre nos superando, manter o nosso nível e até melhorar — comenta o
camisa 10.
Na preparação em busca do ouro em Tóquio, a seleção enfrentou
dificuldades, principalmente pela pandemia. Foram meses com academias e clubes
fechados. A volta à normalidade dos treinos só ocorreu na virada de 2020 para
2021. Mesmo assim, conforme Ricardinho, a equipe está em bom nível físico e
técnico. No Japão desde o começo do mês, o craque tem notado muita disciplina
da população e protocolos seguidos à risca. Isso garante um pouco de
tranquilidade, mas não diminui o receio de contrair o coronavírus e ficar de
fora das competições:
— Por mais que a gente se cuide, não estamos livre de pegar o
vírus. E se o atleta positivar, tem de ser afastado, seria muito desagradável.
A gente está se cuidando ao máximo, é deixar na mão de Deus.
Outra consequência da pandemia é que as partidas em Tóquio
serão sem torcida. Ricardinho lamenta, mas, claro, compreende a atual situação.
Quanto a influência do público no jogo, segundo ele, é pequena, pois durante a
partida os espectadores precisam fazer silêncio para que os jogadores ouçam o
barulho da bola — que tem guizos internos para emitir som.
Perguntado sobre o que mudou no esporte paralímpico desde os
Jogos do Rio 2016, o gaúcho revela que houve uma queda de investimento. Com a
pandemia, o quadro se agravou. Apesar disso, garante que o time brasileiro conseguiu
se manter com um bom um suporte, pois houve a manutenção da maioria dos
recursos.
— Mas o ponto mais positivo de 2016 para cá é a questão
do reconhecimento do nosso esporte, a divulgação que aconteceu, por ter sido na
nossa casa, foi muito grande. Então, passamos a ser mais conhecidos. Tinha
muita gente que nem sabia que existia futebol de 5. Aí, algumas coisas vão
mudando, como o preconceito que a sociedade tem com a pessoa com deficiência —
opina.
Ala da Associação Gaúcha de Futsal para Cegos (Agafuc),
equipe tetracampeã brasileira e uma das mais estruturadas do país, Ricardinho
se sustenta por meio do programa Bolsa Atleta e através de patrocínios. Antes
da Paralimpíada do Rio, sofreu uma grave lesão: fraturou a fíbula e rompeu os
ligamentos de um dos tornozelos. Mesmo assim, recuperou-se a tempo e conquistou
seu terceiro ouro. Agora, garante estar em uma das melhores fases da carreira.
Apesar da pandemia, manteve os cuidados. Desde que começou no esporte, sempre
seguiu o mantra de que o instrumento do atleta é o corpo.
— Estou satisfeito com o momento que estou vivendo, é
torcer para que o desempenho com a bola no pé seja bom — conclui aos risos.
E como se alguém fosse duvidar do potencial do guri nascido
em Osório, que deixou de enxergar aos oito anos e tem três medalhas de ouro no
currículo.
A trajetória
Até os seis anos, Ricardinho enxergava. A partir daí, começou
a apresentar problemas. A primeira a perceber foi uma professora. O caso passou
a ser investigado, dando início a dois anos de exames e cirurgias. Quando tinha
oito anos, os médicos descobriram que se tratava de um descolamento de retina
nos dois olhos, provocado não por um trauma, que seria a situação mais comum,
mas por algo que ocorreu aos poucos, um caso raro. Por ser uma criança
destemida e cheia de energia, conta ter assimilado bem a nova realidade.
Mesmo sem a visão, seguiu acompanhando o que as outras
crianças faziam. Andava de bicicleta, caía, levantava e seguia em frente. Não tinha
medo. Ao saber que o filho não enxergaria mais, o pai, Célio Luiz, resolveu
partir de Osório para Porto Alegre, onde o menino poderia ter um ensino
adequado no Instituto Santa Luzia, referência para deficientes visuais. Por um
ano, morou no bairro Cavalhada. Depois, a família foi para a Restinga, local em
que Ricardinho passou o restante da infância e a adolescência. O despertar para
o futebol ocorreu quando um amigo chegou com uma bola dentro de uma sacola. Ele
a colocou no chão e chutou. O barulho soou como um alerta. Pelo som,
conseguiria praticar futebol.
Ricardinho evoluiu ao jogar sozinho por horas. Enquanto as
outras crianças brincavam com o videogame, ele ficava chutando a bola na parede
e treinando dribles. No Instituto Santa Luzia, conheceu Dodô, professor com
experiência em trabalhar com cegos. O mestre convidou o garoto para treinar
futebol, explicou a ele que existiam clubes e seleções de deficientes visuais.
Naquele momento, o sonho de brilhar nas quadras começou a virar realidade.
Jogava a tarde inteira. Colocou na cabeça que queria ser atleta.
Quando tinha 15 anos, passou a atuar no time da Associação de
Cegos do Rio Grande do Sul (Acergs). Com 16, já era titular e artilheiro da
equipe que conquistou o Regional. Depois, foi campeão brasileiro. Logo, veio o
chamado da seleção. Com apenas 17 anos, em 2006, acabou eleito pela primeira
vez o melhor jogador do mundo. Em 2007, assumiu a camisa 10 da seleção, que usa
até hoje. Depois, vieram os ouros olímpicos. Em Tóquio, terá a chance de escrever
mais um capítulo de uma bela história de dedicação, superação e talento.
Maria Carolina Santiago (natação)
Normalmente, a vida de um atleta começa logo na infância ou
na adolescência quando ele ou ela tomam conhecimento e gosto por determinada
atividade física. Com Maria Carolina Santiago isso não foi diferente, mas
contou com uma alteração de percurso entre sua entrada na natação, aos quatro
anos, e a sua primeira Paralimpíada, agora em 2021. Carol, como é conhecida,
nasceu com a Síndrome de Morning Glory, uma alteração congênita na retina, que
atinge o nervo ótico e reduz seu campo de visão.
A atleta só enxerga vultos com o olho esquerdo e não tem
visão periférica no olho direito, apenas focal. Em virtude da doença, foi
recomendado pelos médicos que ela praticasse alguma atividade de baixo impacto.
O conselho médico juntou-se ao gosto da então jovem moradora de Recife, em
Pernambuco. Com o irmão como exemplo, aos oito, ela já participava de
competições de base e, aos 12, já percorria o estado do Nordeste para competir.
Por quase 30 anos, a nadadora do Grêmio Náutico União caia
nas piscinas nas disputas da natação convencional, contra atletas sem
deficiência. Mas isso mudou em 2018. Como também nadava em maratonas aquáticas,
naquele ano, conheceu o clube gaúcho em um desses torneios e resolveu trocar o
frevo e o calor pernambucanos pelo frio e pelo chimarrão do Rio Grande do Sul.
Ali, estava a grande mudança da sua carreira, com a mudança da natação olímpica
para a paralímpica. Para quem entrou na metade do ciclo e conviveu com as
dificuldades impostas pela pandemia de covid-19, Carol chega ao Japão como
favorita a rechear o quadro de medalhas do Brasil.
— Passei dois meses parada e esses dois meses custaram
bastante, pois estava antes da pausa estava fazendo meus melhores tempos.
Quando deu dois meses, tive que dar um jeito de arrumar uma piscina e voltar a
treinar. Foi o que eu fiz. Conseguimos uma piscina no interior e aí a
preparação começou novamente. Começamos praticamente do zero. O nosso centro de
treinamento voltou quatro meses depois. Foi uma preparação difernte, não
tivemos as competições, só tivemos a seletiva olímpica, acredito que
conseguimos fazer da melhor forma e tirar os melhores resultados — disse a
pernambucana.
A paratleta chega a Tóquio com algumas conquistas na bagagem
nos últimos dois anos: duas medalhas de ouro e duas de prata no Mundial de
Natação Paralímpica de Londres, em 2019, e ouro com direito a recorde em quatro
provas no Panamericano em Lima, também em 2019. Não bastasse isso, em junho
deste ano, ela se tornou a recordista mundial dos 50m na classe S12 (para
atletas com baixa visão), ao nadar a distância em 26s72.
— Estou bastante animada. Vai ser uma competição bastante
forte, são os melhores do mundo, se no Mundial a gente já conquistou uma
medalha de ouro por um centésimo, aqui eu não espero diferente. Acho que as
provas do nado livre vão ser muito fortes. Vou fazer um programa bastante
extenso, procurei me preparar em todos os sentidos para estar passando todas as
provas, sem que a prova anterior prejudique a seguinte — completou.
Na sua primeira Paralimpíada, Carol irá disputar seis provas
no centro aquático de Tóquio: os 100m borboleta, os 100m costas, os 50m livre,
os 100m livre, os 100m peito e o revezamento 4x100m (49 pontos).
Vanderson Chaves (esgrima em cadeira de rodas)
Vanderson Chaves tinha o sonho da maioria das crianças
brasileiras. Ele queria ser jogador de futebol. Colorado fanático, fez um teste
para ingressar nas categorias de base do Inter, mas acabou por nunca saber o
resultado daquela peneira. Antes do sim ou do não, viveu um episódio que
mudaria sua vida para sempre. Logo que chegou em casa do curso de informática
que fazia à época, foi atingido por um tiro de forma acidental pelo tio, que
brincava com um revólver. Aos 12 anos, o guri que imaginava uma carreira nos
gramados se viu em uma cadeira de rodas. Foi um choque para ele, para a sua
família e para todos que o cercavam.
Aos 17 anos, mais um rumo inesperado foi tomado na vida do
gaúcho. A pedido da mãe, compareceu em uma entrevista de estágio na prefeitura
de Porto Alegre, onde conheceu Maurício Stempniak. O recrutador perguntou se
Vanderson gostaria de conhecer o mundo, praticar esgrima em cadeira de rodas —
uma das modalidades paraolímpicas — e, assim, voltar ao esporte. Logo de
início, não considerou a ideia, mas não demorou para que ele se convecesse da
oportunidade e resolvesse abraçá-la. Começou na esgrima entre o final de 2011 e
o começo de 2012. Em 2013, foi convocado pela primeira vez para a seleção
brasileira.
A ascensão foi tão rápida que, em 2016, ele ficou próximo de
se classificar para as Paralimpíadas do Rio de Janeiro. Vaga que ele acabaria
herdando com a punição da Rússia no escândalo de doping às vésperas do evento
carioca. Em solo brasileiro, concretizou um dos seus maiores sonhos, mas não
conseguiu a medalha. Para o Japão, ademais da pandemia, onde teve dificuldades
para treinar assim que a doença chegou ao Brasil, Vanderson se considera
preparado para enfrentar os seus adversários, mas com um mentalidade diferente
de cinco anos atrás.
— É uma expectativa diferente. Em 2016, consegui a vaga
porque a Rússia foi banida, daí surgiu algumas vagas para a gente. Eu já estava
no ciclo, mas não consegui pelo ranking. Essa é diferente pois consegui pelo
ranking. Sentimento é diferente, por mais que a cobrança e a pressão seja a
mesma. Expectativa de medalha é ouro, né? Mas fico tranquilo que se não vier o
ouro ou qualquer medalha, fiz meu máximo na preparação.
O atleta do Grêmio Náutico União entra no local de provas da
esgrima de cadeira de rodas no dia 24 de agosto, o primeiro dia de competições
em Tóquio.
Demais atletas gaúchos ou que treinam no Rio Grande do Sul
Esgrima em cadeira de rodas
Mônica Santos
Aos 38 anos, a
esgrimista vai para a sua segunda Paralimpíadas. Em 2002, por causa de um
angioma medular no segundo mês de gravidez, perdeu os movimentos das pernas.
Praticou basquetebol em cadeira de rodas antes de se aventurar na esgrima.
Jovane Guissone
O gaúcho de Barros
Cassal entrou na esgrima paralímpica em 2008, quatro anos depois de reagir a um
assalto, tomar um tiro e perder o movimento das pernas. Em Londres, em 2012,
Jovane fez sua primeira participação em Jogos Paralímpicos e saiu com o ouro da
Inglaterra. No Rio, caiu nas quartas de final. Atualmente, treina no Paraná.
Futebol de 5
Nonato
Natural de
Pernambuco, o ala/pivô defende o Associação Gaúcha de Futsal para Cegos
(AGAFUC). Aos 34 anos, já tem dois ouros com a camisa da seleção brasileira em
Paralimpíadas (2012 e 2016). Em 2019, foi escolhido pelo Comitê Paralímpico
Brasileiro (CPB) o melhor jogador de Futebol de 5 do Brasil. Nasceu
praticamente sem enxergar devido a uma retinose (degeneração da retina), mas
entrou no esporte apenas aos 23 anos.
Tiago Paraná
Paranaense de
Pinhais, é atleta da AGAFUC. Aos dois anos, sofreu um descolamento de retina no
olho esquerdo. Três anos depois, a retina do olho direito também descolou, e
ele ficou completamente cego. Antes do futebol 5, praticou natação, atletismo e
goalball. Chegou à Seleção em 2013.
Natação
Susana Schnarndorf
Aos 53 anos, a
atleta do União vai para a sua terceira Paralimpíada. No Rio de Janeiro, ganhou
a prata no revezamento 4x50m livres misto, juntamente com os nadadores Daniel
Dias, Joana Silva e Clodoaldo Silva. Em 2005, Susana foi diagnosticada com uma
doença degenerativa rara, a Atrofia Múltipla de Sistemas, cuja expectativa de
vida costuma ser de 5 a 8 anos. Vai competir em Tóquio na prova de 150m medley
SM4
Ruiter Silva
Ele é um dos principais nomes da natação paralímpica
brasileira atualmente. Nasceu em Goiás, tem 28 anos e má formação congênita na
mão e no pulso esquerdo. Foi medalhista de prata no Rio 2016 no revezamento
4x100m livre 34 pontos. Além disso, tem quatro medalhas em mundiais (1 de ouro
e 3 de prata) e mais de dez em Parapan-Americanos. Ele vai competir em Tóquio
nos 50m livre S9 e no revezamento 4x100m masculino 34 pontos.
Roberto Alcade
Natural de Bagé, tem 29 anos e nasceu com mielomeningocele
(má formação congênita da coluna vertebral). Ele é especialista na prova dos
100m peito, já foi campeão mundial e parapan-americano. Tá indo pra segunda
participação em Paralimpíadas. Vai competir nos 100m peito SB5.
GAUCHA ZH 21/08/21
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